Eterno Agora

Há instantes de calma, cristalina clareza,
em que nada se pensa e nada pesa,
em que tudo é possível, nada necessário.

É como o encontro do rio com o mar.
É desencontrar os caminhos errados.
Uma pausa, um pouso, doce repouso,
o bem vindo fim de um dia cansativo.

Por vezes se sente que tudo já foi feito,
perfeito,
como no fim de um expediente sideral
em que cada problema já foi resolvido
com excelência
e cada estrela já encontrou o seu lugar
– e todos os mundos foram salvos,
  e os olhares dos deuses podem brilhar
  contemplando uma obra de arte
  de beleza indefinível,
  além do alcance da palavra e da poesia.

É como o sutil silêncio
de uma pequenina gota de orvalho
prestes a soltar-se de alguma folha
para ser bebida pela terra e vir a ser árvore,
ou evaporar sob o sol
e ir brincar de nuvem.

É o sorriso incompreensível
no último suspiro do velho jardineiro
que esperou anos,
doente, valente, e vacilante,
na espera quase desespero
pelo reencontro do amor da juventude,
e pelo abraço bem vindo da mãe morte,
que todos temem
e que sob o manto escuro
traz doce consolo
de um sono sem sonhos
ou quiçá de um sonho mais desperto
– e seja como seja
  traz o descanso de um fim, por fim.

É simples fluir das águas da vida
que não se prendem ao passado
nem se apressam rumo a futuros.
É o momento sem tempo
de um recomeço infinito.
É a entrega de alguém que cai, e sabe que cai
de uma altura sem limite
– e por isso sabe que voa.

É essa loucura iluminada
de nascer nesse instante
e de não saber
nem precisar saber
de mais nada.

Bruno Andante (Vishuddhi)