Esporte Radical

O que aprecio é viver perigosamente.
Me desafio a cada dia,
testando limites cada vez mais altos.

Num dia mergulho mais fundo no céu
pra ver até onde alcança o silêncio,
indo onde nenhum homem jamais foi
– porque pra chegar lá (lá que é Aqui)
  é preciso já não ser homem,
  é preciso já não ser eu,
  é preciso ser o próprio céu,
  ser só o silêncio.

Outro dia pratico malabarismo mental
com cada vez mais conceitos no ar.
Arte magnífica, e bastante sofisticada,
que a gente aperfeiçoa ao falhar
cada vez mais espetacularmente
(até deixar cair o conceito fundamental,
que é o malabarista em si).

Cada inverno-primavera
à meia noite de todo dia,
des-escalo montanhas da memória
pra vir olhar a mim mesmo
desde o cume do presente,
e a cada segundo
eu bato recordes de atemporismo.

Dia sim dia não
tenho até a ousadia de ser 100% sincero
sem capacete, e sem roupa de proteção
(às vezes sou multado pela polícia da polidez
mas vale a pena).

E em muitas madrugadas em claro
pratico tiro ao alvo,
mirando o coração da verdade
com as flechas do olhar pontiagudo,
afiando a pontaria a cada erro
(todo tiro erra o alvo
enquanto ainda se vê diferença
entre o arqueiro
e o arco
e a flecha
e o alvo).

Mas o meu esporte preferido
é mesmo saltar de paraquedas
ao abismo do desconhecido
(só que sem paraquedas).
Estou caindo o tempo todo:
cair é minha vida,
minha paixão,
minha profissão.

Vivo perigosamente
como um bêbado dançando
à beira da realidade:
sou viciado numa espécie de adrenalina
que o corpo de sonho libera
quando um eu que nunca existiu de fato
sente medo de morrer.

O esporte mais radical
é acordar.

Bruno Andante (Vishuddhi)

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