Uma Meditação ao Anoitecer
O sol está se pondo. Nesses momentos a verdade da impermanência é mais evidente. Enquanto a luz se esvai e as cores do mundo se transmutam, sinto surgir uma atenção diferente, em mim.
Diminuo o ritmo. Quanto mais lento, mais atento. A inércia do movimento do dia ainda se expressa, no corpo e na mente. Me reduzo ao aqui, agora. Essa respiração é importante demais para ser desperdiçada. Sinto e saboreio o ar entrando, sinto e saboreio o ar saindo.
Sensações permeiam todo o corpo. Corpo que é uma dança, ainda que pareça imóvel: vivo, vibrante, sempre mudando, sempre em movimento. A respiração marca o ritmo.
Um pensamento passeia pela mente. Assunto de ontem. Outro passa, no rastro do primeiro. Assunto de amanhã. Não luto contra eles. Eles têm voz, e os escuto. Respeito. Não necessariamente acredito. Respiro com eles. Me despeço deles. Deixo vir, deixo ir.
Emoções se movem em mim. Águas fluentes de um rio que decidi nunca mais represar. Às vezes uma ansiedade se insinua. “Olá, medo. Novidades?” Mensageiro fiel, ele me alerta sobre tensões não olhadas. Eu olho. O medo me desperta. Respiro com ele.
Tudo vem e vai. Tudo vive, morre, vive. Nesse palco invisível, tudo sou eu. E nada sou eu, também. Como ator, vivencio cada experiência, cada história, dando voz ao personagem da vez, a cada ato vestindo uma máscara diferente; mas agora me reconheço também como expectador, e contemplo em silêncio, com respeito reverente por toda essa arte, pela tragicomédia em sua lucidez e sua loucura, pelo meu choro e meu riso.
Contemplo, fazendo do teatro um templo. Descanso nesse lugar sem lugar, em que sou essencialmente um olhar. Mas é um olhar de amor. Não é indiferença: estou envolvido com tudo, amorosamente envolvido com cada sensação, sentimento, pensamento.
Há um distanciamento, mas um distanciamento íntimo: lindo paradoxo. Não me afasto dos pensamentos, problemas por resolver, das angústias. Só não me apego. Amar não é se apegar. É se admirar, abrir o coração, acolher tudo com cuidado e carinho e coragem – é deixar vir, mas deixar ir, também.
O ar entrando. O ar saindo. Morte e renascimento a cada respiração. Sou a dança, e sou o espaço onde ela acontece. Aqui o caos se revela cosmos. Aqui tudo emerge, sem pressa, para participar nessa dança. Meu trabalho é deixar ser. O trabalho é descansar. E quanto mais profundamente descanso, mais profundamente desperto.
O sol se pôs. Já sentiu sua respiração, hoje?
Bruno Andante (Vishuddhi)